Às vezes dizem-nos que as nossas aldeias são o fim do mundo.Talvez não sejam, talvez seja aí que o mundo começa. Que nos prendem, nos limitam horizontes...Tem a sua pertinência a afirmação...Que são um atraso de vida... são elas ou nós que nos atrasamos? Que nalgumas nem rede se apanha nos telemóveis...não importa, a rede que as aldeias permitem alcançar é bem diferente...Ora leiam:
" Como disse, relembro hoje a minha infância na província sem esquecer ao mesmo tempo o que tudo aquilo me oprimia e que grande parte daquele amparo era metade de ternura e outra metade de opressão. Daí que talvez eu olhe para isso tudo em forma de nostalgia do que poderia ter sido, daquilo que ali tive à mão sem me ter dado conta: ali tive a possibilidade de dar atenção às quatro estações do ano e ao que vão fazendo na terra. Toda a possibilidade de ter tempo: para amar, para conhecer, para pensar, para ver. Tempo para entrar dentro de mim próprio e iniciar a aventura interior de explorar todo o inexplorado que está ainda dentro de nós. Tempo para reparar na grande força da vida que sai constantemente das entranhas da terra e que trepida, evidente, no coração das próprias pedras. Tempo para dar atenção ao respirar do estofo da terra e às ervas que rebentam depois das primeiras chuvas. Tempo para fazer amizade com os cães, os cavalos e as próprias aves do céu. Tempo para olhar as crianças e para dar atenção às falas dos homens e aos sorrisos das mulheres. Tempo para receber o calor das lareiras e deixar a cara endurecer pelo frio tocado pelo vento do sul. Tempo para poder estar à cabeceira de um amigo doente e para poder acompanhá-lo moribundo e ajudá-lo talvez a morrer em paz. Tempo para sentir e viver a grande lição do tempo e conseguir uma relação certa e não adiada com a vida..." "Peregrinação Interior - O Anjo da Esperrança" de António Alçada Baptista
As aldeias apanham muita mais rede...
2 comentários:
Ana esta foi muito bem apanhada...
A nossa aldeia é sempre a nossa aldeia. Nela podemos fazer peregrinação interior, exterior...
nela reside quer queiramos quer não, traços da nossa identidade que se refletem na forma como agiamos e vivemos em sociedade.
Eu gosto imenso da minha...por mais que viaje, por mais que conheça e explore o mundo, regresso sempre ao mesmo ponto: à minha linda Aldeia...onde tenho a possibilidade de Ter Tempo para tudo que a vida me vá presenteando...
Ora aí está!
"Infeliz do passarinho que renega o seu ninho", diz o povo.
Sim, gosto da província. Também gosta das grandes metrópoles para passar, ver, admirar, mas sempre para partir...
A paz, a harmonia, os amplos horizontes - o Alentejo fascina-me - a naturalidade dos sons, das cores, do céu, dos odores, das relações, mesmo quando encapeladas, o silêncio, o tempo... A província dá-nos essa libertadora possibilidade de harmonia cósmica...
Oportuno este texto.
C. Lopes
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