segunda-feira, julho 09, 2012

Sonha um bocadinho

Chegou à aldeia pelo nascer do sol, de cabeça elevada como se fosse o próprio astro no alto do seu esplendor, trazia uma mala reduzida, mas que parecia pesar, pendendo-o ligeiramente para o lado direito. A tia Quinhas, sempre à soleira da porta à espera de nova aragem, perscrutou o forasteiro de alto a baixo com uma ponta de desconfiança, mas a Lara, menina curiosa que brincava com as suas amigas, logo reparou naquele andar despreocupado e radiante do homem que se aproximava. De imediato, todas as crianças o rodearam e, por mais inexplicável que vos possa parecer, não mais o largaram.
Amadeu Onhos era o último filho de mais uns quantos, cujo paradeiro desconhecia, mas que a vida juntava sempre que lhe apetecia, por isso nenhum deles se fixava em lugar algum.
À parte as suspeitas iniciais, a população começou a falar com o Sr.Onhos, que permaneceu na aldeia dia e noite debaixo de uma simples oliveira sem precisar de adereços que o protegessem das intempéries. De cada vez que lhe falavam, os aldeãos sentiam-se revigorados e com ganas de avançar por esse monte estreito e inclinado que é a vida. Porém, no outono seguinte, instala-se também na aldeia a Sra. Irces, que diz ser a proprietária daquela pequena população. Todos, ou quase todos, lhe condicionaram as suas próprias vidas, escusando-se na sua imperial e teimosa estada na aldeia. As crianças e uma meia dúzia de tolos passaram a ser a única companhia do Sr.Onhos. Este soube exatamente que era chegado o tempo da sua partida, mas deixou-se ficar na coragem dos que ao pé dele ficaram e, sobretudo, nos olhos da Lara que correu para lhe entregar a mala de que ele se esquecera.
- A mala tem outras tantas malas mais pequenas quantas as pessoas desta aldeia, Lara! Quando elas voltarem, devolve-lhes a que a elas pertence por direito e talvez por obrigação. Serás guardiã delas e de vez em quando hei-de voltar para encher as que foram recobradas!

A Lara cresceu sempre menina e tornou-se especialista na arte da sornha, artesanato que parece ter ficado esquecido no fundo das pequenas malas de alguns aldeãos. Por vezes, sente-se a esmorecer, mas concentra-se a ver o sol nascer, porque nele ainda revê os passos do Sr. Onhos.



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